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[REFLEXÃO] Camus – O Absurdo
#1
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Camus – O Absurdo
[Image: o-mito-de-sisifo-albert-camus-D_NQ_NP_88...2017-F.jpg]

Citação:"Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia.” Camus, O Mito de Sísifo, p.17

Toda a metafísica cai de joelhos com a pergunta “devo me matar?”, e assim se instaura o plano de imanência de toda a filosofia de Albert Camus. Ou o pensamento agarra-se à vida para esboçar uma resposta ou atira-se pela janela, salta para fora e aposta em alguma transcendência. Deleuze falando sobre Espinosa, “Príncipe dos filósofos, fez o melhor plano de imanência, aquele ao qual não se corre o risco de cair na transcendência”. Em Camus, podemos dizer, ele traçou o  plano de imanência mais radical, aquele que obriga a ficar ou sair de uma vez por todas.

É preciso coragem para acompanhar Camus. Os princípios de uma filosofia de tempos sombrios, tempos de guerra, de cotidianos massacres não poderiam ser outros: “todo conhecimento verdadeiro é impossível” e “Só se pode enumerar aparências e apresentar o ambiente”. Os homens tem uma sensibilidade absurda, que os empurra o nada goela abaixo. Assim, pensar é começar a ser atormentado. A razão com pés de barro num chão de lodo. O universo foi repentinamente privado de ilusões: as grandes guerras corroeram os ideais. A única distribuição igualitária foi a de culpa.

O tema do ensaio “O Mito de Sísifo” é exatamente a relação entre o absurdo e o suicídio. É preciso compreender:  “há uma lógica que leve até morte?“. Interessante notar que neste livro pensamos a morte individual, o suicídio como resultado de uma vida que desabou. Em “O Homem Revoltado“, livro posterior de Camus, a pergunta é refeita do ponto de vista do assassínio: há uma lógica que justifique o assassinato?

Meio século após Nietzsche, que dizia que “os homens preferem o nada a nada querer“, o que mudou? Parece que os homens passaram a preferir a morte ao nada. Na realidade, aqueles que preferiam o nada continuam vivos realizando seus saltos e cambalhotas, mas há todo uma espécie de desabrigados. Homens despertos e sadios que não conseguem senão perceber o absurdo de sua existência. A ausência de sentido envolve-nos todos como uma grande névoa.


Há três opções. Conviver com o absurdo, aceitar a morte ou ter esperança. Ah, claro, pode-se inventar um outro mundo em Deus ou na Revolução, onde tudo se resolve numa unidade perfeita. Mas, deixemos claro, não deixa de ser uma outra maneira de se matar. Sejamos corajosos e audazes, vamos dar a face ao absurdo. “Numa esquina qualquer, o sentimento do absurdo pode bater no rosto de um homem qualquer“… Considerar o absurdo é dar de cara com um muro.

Citação:"Em todos os dias de uma vida sem brilho, o tempo nos leva. Mas sempre chega a hora em que temos de levá-lo. Vivemos no futuro: ‘amanhã’, ‘mais tarde’, ‘quando você conseguir uma posição’, ‘com o tempo vai entender’. Estas inconsequências são admiráveis, porque afinal trata-se de morrer. Chega o dia em que o homem constata ou diz que tem trinta anos. […] Pertence ao tempo e reconhece seu pior inimigo nesse horror que o invade. O amanhã, ele ansiava o amanhã, quando tudo em si deveria rejeitá-lo. Essa revolta da carne é o absurdo” p.28

O assombro é o primeiro grau do absurdo. Nos assustamos com o passar do tempo e com a falta de sentido e proporção que isso toma. Mas esse sentimento vai se adensando. E prosseguimos passando para outros graus, onde o absurdo se torna a maneira pela qual experimentamos o mundo. O assombro se torna estranheza: “o mundo é denso, uma pedra é irredutível“. Num instante, o mundo perde sua camada de doce ilusão e volta a ser esse imenso, hostil, acúmulo de milênios. “O mundo nos escapa porque volta a ser ele mesmo“. Os cenários foram todos disfarçados pelo hábito. Vemos, de repente, nos rosto de quem amamos, o total abandono a que estamos sujeitos, mas não é hora ainda. Estamos nesta corda esticada, neste momento de estranheza e densidade. Isto é o absurdo.

Tudo começa com um fundo de “nada”. Uma resposta atravessada a uma pergunta “Que pensas?”, nada. O absurdo é um ruído que nos persegue. Por um segundo, ele toma conta de percepção, como uma televisão mal sintonizada. E perdemos a capacidade de fingir, tamanha a desumanidade a que somos submetidos. O absurdo é um mal-estar diante de nós mesmos. É uma colisão frontal com a falta de sentido do mundo.


Citação:"Este lado elementar e definitivo da aventura é o conteúdo do sentimento absurdo. Sob a iluminação mortal desse destino, aparece a inutilidade. Nenhuma moral, nenhum esforço são justificáveis a priori diante das matemáticas sangrentas que ordenam nossa condição” p.30

O absurdo chega a ser ridículo e óbvio. Ele está nas conversas do dia-a-dia. Ele é um divórcio do homem com o mundo. Ele é a marca incontestável que nos distingue. É um apelo da razão frente a irracionalidade de tudo. O absurdo é o resultado de um mau, porém necessário, encontro com o mundo. É o resultado de uma desmesura. Medida em desmedida: cronos em aion.

Estamos condenados a perceber que não há par da razão no mundo. Fomos mal dispostos. Temos uma razão que busca a unidade. Somos nostálgicos de nossos úteros. Como sentimos falta de nossas pátrias! Entretanto, não há Deus, não há pátria, não há pai, não há verdade. Não há lógica que resista, o absurdo é o sofrimento de uma racionalidade em extinção.


Citação:"Estanho a mim mesmo e a este mundo, armado somente com um pensamento que se nega quando afirma, que condição é esta em que só posso ter paz deixando de saber e de viver, em que o pensamento da conquista se choca com os muros que desafiam seus assaltos. Querer é suscitar paradoxos. Tudo está arrumado para que nasça uma paz envenenada que a displicência, o sono do coração ou as renúncias mortais proporcionam” p.34

Assumir o absurdo é o único primeiro passo. Suicídio, salto e nostalgia não podem ser opções. A partir desse momento, o absurdo é uma paixão. Precisamos nos reinventar para entender em que medida conseguimos viver com elas. Resta saber se o pensamento pode viver nestes desertos. A razão está bem prostrada sob o grande grito de Zaratustra. O absurdo ruge à menor tentativa de resgate dessa razão anciã. Os ideais puros e inocentes de uma altiva racionalidade não servem mais.

Temos o desejo de felicidade, de uma razão potente. E isso nos permite ir ao limite. Toda uma vida pode nascer como consequência de uma boa batalha com o absurdo. Criar consistência é o maior desafio. Se a razão se dirige a um mundo em silêncio irracional, é preciso que criemos sentido por nós mesmos.


Citação:"Para um espírito absurdo, a razão é vã e não existe nada além da razão” p.50

A razão serve! Nós somos capazes de nos relacionar melhor com o mundo através dela. O absurdo surge neste hiato entre nós e o mundo, mas isto não significa que a razão é inútil. A questão está no uso. O absurdo é resultado de uma razão lúcida que constata os seus limites. Sabemos os ultrajes que são cometidos quando ultrapassamos estes limites em nome da razão. Iluminamos o mundo sob o custo de o imobilizar.

O absurdo nos esclarece um seguinte ponto: não há amanhã. É preciso viver para isso. E daí que pode se extrair uma ética, uma maneira de viver em acordo com o absurdo. A revolta, a liberdade e a paixão são consequências diretas disso. A única realidade é a presença deste momento e nada mais. Nenhum eterno é possível ao homem que considera verdadeiramente o absurdo. Só se pode viver a esse custo.

Citação:"Lógica de uma vida totalmente impregnada de absurdo: o desenlace feroz de uma existência dedicada a alegrias sem futuro” p89
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#2
https://razaoinadequada.com/2018/01/24/camus-o-salto/
Camus o salto

Vimos como o absurdo é um sentimento, um estranhamento do homem divorciado do mundo. Uma incompatibilidade entre a razão de unificação – que é nostálgica de uma unidade – e o mundo – ilógico e caótico. Falávamos sobre as três únicas posturas possíveis: o suicídio, a esperança ou a relação direta com o absurdo. Para Camus, é desta última que resulta a única possibilidade de se pensar uma existência alegre. Mas não costuma ser a primeira escolha, outros homens pensaram de outras maneiras. Precisamos falar sobre o suicídio…

Citação:"É difícil fixar o instante preciso, o percurso sutil em que o espírito apostou na morte, é mais fácil extrair do gesto em si as consequências que ele supõe. Matar-se, em certo sentido, e como no melodrama, é confessar. Confessar que fomos superados pela vida ou que não a entendemos”

– Camus, O Mito de Sísifo, p.19


Morrer por vontade própria supõe que se reconheceu o caráter mais ridículo da existência: não há motivo. Todo absurdo começa com nada! Vemos apenas um pequeno buraco até perceber que já estamos dentro dele. Mas a aposta na morte revela algo da vida, algo de que não podemos nunca nos esquecer: o sentido se faz dentro dela, a partir dela, junto dela. Quando somos ultrapassados, quando a ausência completa de sentido bate à porta, quando a inutilidade do sofrimento sopra aos ouvidos, quando a insensata agitação cotidiana nos empurra para lá e para cá, então consideramos o suicídio.

Camus diria, todo homem sensato já pensou em se matar. Claro! Mas com Espinosa, aprendemos a dizer, em nada pensa menos o sábio do que na morte. É possível conciliar esses pensamentos? Pensamos que sim. Pensamos que a aposta na vida depende da noção de absurdo para que se torne ainda maior. O suicídio é opção apenas para quem foi atropelado pela vida, para quem não conseguiu acompanhar suas velocidades infinitas! É difícil acreditar numa existência sem sentido, mas é a única opção. Não há o que perder, morreremos mesmo assim. O absurdo nos faz tomar parte numa vida que resiste à morte, que combate todo rebaixamento, que se revolta com toda lógica de morte.

Considerar a morte é um exercício sadio, nos faz sentir vivos! O absurdo nos coloca diante do mundo. O que significa encarar a morte de frente? Será que nós somos capazes de viver como o Samurai, que medita sobre seu último dia antes de cada batalha? Temos a força para encarar nossos demônios de perto, olhar nos olhos do abismo sem fim? Sabemos que há um outro tipo de suicídio. Existem apostas que acabam tornando a vida uma espécie de longa morte. É o que chamamos de Salto.

Não há deus, nem verdade possível, não há salvação. “Viver sob esse céu sufocante nos obriga a ficar ou a sair“. Há uma outra espécie de suicídio, mais refinado, um suicídio filosófico. Decorre de escolhas que levam para fora da vida, mas sem morrer. Vem tanto da boca dos filósofos quanto da boca dos padres. Na verdade, são todos eles, como diria Nietzsche, sacerdotes ascéticos, aqueles que preferem o nada a nada querer.


Citação:"Existe um fato evidente que parece absolutamente moral: um homem é sempre vítima de suas verdades. Uma vez que as reconhece não é capaz de se desfazer delas. Um homem sem esperança e consciente de sê-lo não pertence mais ao futuro. Isto é normal.  Mas também é normal que se esforce para escapar do universo que criou”

– Camus, O Mito de Sísifo, p.46


Estamos aqui falando de uma certa essência religiosa que carrega a filosofia moral. Todo pensador carregando suas leis, praticamente não as suporta. Está sempre no seu limite péssimo. Carrega-as com o peso de mil verdades. Eis o mais consciente do absurdo. O primeiro, o adão decaído. Ele proclama suas verdades pois tem muita vergonha de carregá-las sozinho e assim ele aposta. Corre o mais rápido que pode e salta. É assim que se escapa da vida pela Razão.

Saltamos para outro plano, transcendemos a vida, absurda como é, caótica como é ao custo de nossa própria inocência. O grande iluminista com seus direitos universais do homem é o primeiro a pecar. E sente cada vez mais nojo de seus irmãos corruptos. A moral aposta num conjunto fechado de regras, em uma única conduta possível e faz caber a vida dentro de seu cubículo. Mas não sem cortá-la, não sem mutilá-la, não sem blasfemar, condenar, escarrar, excluir.

Toda aposta numa racionalidade totalizante acaba por se tornar uma lógica perversa, terrorista, diria Camus alguns anos depois. Não podemos sair do nosso plano imanente, da noção de absurdo, que apesar de nos encher de vertigens, é nossa conquista! Encarar o absurdo é uma conquista! Porque crer na razão iluminada pelas verdades do senso comum ou no espírito absoluto com suas resoluções históricas nos leva a morrer em vida. Perdemos a vida porque a enxergamos por uma janelinha muito pequena. Iluminamos o mundo ao preço de o imobilizar.

O homem absurdo quando não suporta conviver com os próprios males aposta em outra vida, esta é sua maneira de se render. Ele pensa, “poderia não ser assim”, “poderia não ser agora” e nisso é muito criativo. Vimos como ele aposta pela razão. Vejamos como ele aposta pela fé.


Citação:"O absurdo torna-se Deus (no sentido mais amplo da palavra) e essa impotência para compreender, o ser que ilumina tudo […] O salto faz do absurdo o critério de outro mundo, enquanto não passa de um resíduo da experiência deste mundo “

– Camus, O Mito de Sísifo, p.47


O sentimento absurdo é tão forte que o divinizamos, o mundo passa a ser tão belo quanto mais incompreensível. E então passamos a nos alegrar com a ignorância, louvar a pobreza, cantar a compaixão, adorar a humildade e ter muita pena do próximo. O irracional torna-se uma lei que tudo justifica. O “tudo é permitido” de Ivan Karamázov ganha um contorno de muito mal gosto.

Apostando na fé, não resta mais nada de nós mesmos! Somos um instrumento de algo que nos supera infinitamente. Todo o tipo de pensamento místico e superstições são um fruto dessa aposta. Um jeito de adormecer nosso encontro com o mundo, um analgésico que mantém vivo, mesmo que com uma vontade de morte muito grande. Seja um Deus louvado por sua grandeza, nos julgando de fora e agindo enquanto nós padecemos; seja um mundo impossível de compreensão com sua energia cósmica oculta; seja o que for: não deixa de ser um salto para fora da existência!

O salto, uma dupla negação, pela razão ou pela fé, uma entrega absoluta ao racional ou uma rendição cega ao irracional. O salto é um jeito medíocre de aspirar ao eterno. E como funciona! E como é praticado! É a negação do suicídio de fato, mas não se diferencia dele tanto assim, pois não deixa de ser uma aposta na morte, só que em vida… era exatamente o que Camus não queria!

Sabemos que devemos viver com o absurdo. É a única opção. Devemos viver neste instante que precede o salto. O contrário do suicida é o condenado à morte. É isso que somos… condenados à morte. Agora perguntamos, se assim é, o quê fazer? Qualquer coisa que não passe pela negação do nosso estado de fato: criaturas sem futuro.


Citação:"O homem absurdo não realiza esse nivelamento [do sacrifício pelo racional ou irracional]. Ele reconhece a luta, não despreza em absoluto a razão, e admite o irracional. Recobre assim com o olhar todos os dados da experiência e está pouco disposto a saltar. Ele sabe que, nessa consciência atenta, já não há lugar para a esperança”

– Camus, Mito de Sísifo, p.51
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#3
Camus – A Nostalgia



Citação:Vou voltar!

Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir
Cantar uma Sabiá…”

Na condição de condenados à morte num universo insensível, embarcamos no absurdo. A existência no caos nos arremessa para longe das certezas, das verdades, das constâncias e assim percebemos que nossa razão não dá conta. Para além do suicídio, temos poucas saídas. Já dissemos, nós só admitimos uma: viver a partir do absurdo. Mas não podemos deixar de falar das outras. Há quem prefira correr, fugir, ou melhor, saltar para outro lugar, apostando numa razão inquebrável ou numa fé cega. Entretanto, isso só é possível por ter se tornado, antes de tudo, nostálgico.

À única questão importante “Devemos nos suicidar?”, Camus previa duas respostas. Sim, confessando assim que fomos superados pela vida; ou não, escolhendo a vida no lugar da morte! Não há outra opção, a questão é que esse ‘não’ se abre em muitas espécies de negação. O sacerdote que ensina a preferir o nada a nada querer, o niilismo passivo, a dupla negação do salto, são exemplos. O que fundamenta todos esses ‘não’ menores é a esperança. Este afeto tão próximo do medo que se torna indistinto dele, sua sombra.  “A esperança é o truque daqueles que vivem não pela vida em si, mas por alguma ideia que os ultrapassa e os trai“.

Será que o absurdo nos comanda a sair da existência pela esperança ou pelo suicídio?  O que interessa a Camus é descobrir que tipo de não é este que fundamenta a resposta “Não vou me matar”. O que queremos é o não do homem revoltado. Um ‘Não!’ que tem como base um grande ‘Sim!’. Aquele que parte de uma dupla afirmação: da vida e a do mundo. Só chegamos a ele através do absurdo. Dependemos todos desse primeiro passo. Todo ‘não’ em nome de outra coisa acaba por se descolar da existência. Dizemos não ao mundo por sermos muito nostálgicos.

“O pensamento de um homem é, antes de mais nada, sua nostalgia.” A história do pensamento é também a história da ignorância. O homem se mostrou impotente em tantas formas quanto se é possível imaginar. Como é que conseguimos dizer de consciência tranquila “conhecemos o mundo”, “conheço isto e aquilo”? Para Camus não é tão simples assim, nossa ciência consiste em pouco mais do que a certeza de nossa existência. Daí a constatação de que seremos sempre estranhos a nós mesmos.

O “conhece-te a ti mesmo” de Sócrates revela ao mesmo tempo uma ignorância e uma nostalgia. É como se por baixo daquilo que se aparenta pudéssemos encontrar algo que realmente é, o verdadeiro rosto por trás dos atos, a realidade por trás do véu de maia. A ignorância para Camus – e para toda uma tradição filosófica que enfrenta o platonismo – é exatamente essa crença em um mundo subjacente à realidade, de onde toda representação tira seu verdadeiro significado.

Nossa razão demasiado humana se constituiu de maneira a recuperar algo que perdeu. Vivemos sob a sedução do descobrimento. Seja no consultório do psicanalista, seja na análise política, seja nos nossos relacionamentos. Somos viciados em respostas. Queremos a verdade por trás de toda aparência. Nossa razão acostumou-se a pensar em linha reta, mas o mundo é um imenso rochedo de relevo indefinido. O homem é nostálgico, pois sua condição no mundo lhe traz dor. Ele quer voltar para o útero, quer os braços de quem já partiu, quer o momento que já foi.

Citação:Vou voltar!

Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra
De uma palmeira que já não há
Colher a flor que já não dá
E algum amor
Talvez possa espantar
As noites que eu não queria
E anunciar o dia…”

A nostalgia humana é esse fruto amargo da irracionalidade do mundo. Não o compreendemos, e nessa má compreensão, construímos a nossa impotência. A desproporção entre o homem e o mundo nos empurra à beira de um abismo. Nostálgicos, vamos tentando dar passos para trás, contra a corrente, na esperança de ter a força para vencer. Mas a realidade é que não a temos. A realidade é que a vida é esse momento fugaz onde experimentamos a existência efêmera do mundo. “A realidade é a risada insensata de um homem sadio provocando um deus que não existe“

O homem nostálgico e esperançoso busca uma cura para si e para o mundo. Mas desconhece que o principal não é se curar, mas conviver com os próprios males. Todo o esforço de um homem em escapar de sua condição torna-o mais e mais escravo dela. É como a areia movediça, que quanto mais reluta a presa mais depressa afunda. A revolta sem consciência do absurdo é apenas uma rebeldia sem causa. É a profissão de besteiras ao vento.

A razão, desde tenra idade, aprendeu a afastar-se da contradição. O conhecimento nem se considera como tal a não ser quando encontra princípios imutáveis. O pensamento se confunde todo quando encontra os paradoxos. E assim inventamos o princípio, totalmente mágico, da unidade: a mãe de todos os ideais. Camus desconfia de toda lógica muito bem fundamentada, ele sabia bem como funcionava o Nazismo.

Temos um apetite pelo absoluto, queremos saltar. Temos um apetite pela unidade, somos nostálgicos. Mas temos a certeza de que isso não basta, isso não dá conta. Sabemos que esse mundo não pode ser reduzido a um princípio racional e razoável. Sabemos que somos totalmente superados por ele. É por isso que encontramos o absurdo e não queremos o esquecer. Viver à beira do abismo: há de se inventar uma bela maneira de se fazer isso.

Buscamos um desejo sem esperança. O fim último é desprezível. Toda escatologia escoa em rios de morte. Toda teleologia não deixa de ser uma teologia. O meio do caminho é que nos interessa. Estamos atentos, temos presença, criamos consistência. Queremos mais! É preciso ignorar esse grandioso apelo à eternidade das ideias, ao futuro de realizações, a um paraíso perdido. É preciso beber do vinho absurdo e reencontrar a pequena evidência de nossa existência. Para assim recuperar a lâmina dos problemas e perceber-se livre em um mundo sem deus.

Créditos: https://razaoinadequada.com/2018/02/07/c...nostalgia/
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