26-07-2019, 03:13 PM
Uma coisa é acreditar que os fundamentos éticos sejam ainda não encontrados ou até agora não construídos; outra é não acreditar em fundamentos éticos. O brusco “se Deus não existe, tudo é permitido” de Dostoiévski bradou os mais íntimos medos dos construtores modernos de uma ordem sem divindade (ou talvez “pós-divina”). “Não há um Deus” significa: não há força maior que a vontade humana nem mais poderosa que a resistência humana capaz de coagir os selves humanos a serem morais. Nenhuma autoridade é mais nobre e digna de confiança que os próprios desejos e premonições dos homens para lhes assegurar que as ações que eles consideram dignas, justas e adequadas – morais – sejam de fato corretas; bem como para afastá-los do erro no caso de essas ações falharem.
Se não houver essa força e essa autoridade, os seres humanos estarão abandonados ao seu próprio juízo e à sua própria vontade. E estes, como os filósofos argumentam e os pregadores tentam fazer com que as pessoas entendam, podem dar à luz apenas o pecado e o mal; como os teólogos nos explicaram de forma tão convincente, não se pode confiar neles para produzir um comportamento correto ou fazer passar um julgamento correto. Não pode haver algo como uma “moral eticamente infundada”; e uma moralidade “autofundada” é, gritante e deploravelmente,algo infundado do ponto de vista ético.
De uma coisa podemos ter certeza: não importa quanta moralidade haja ou possa haver numa sociedade que tenha reconhecido estar sem chão, sem propósito e diante de um abismo atravessado apenas por uma frágil prancha feita de convenções, ela pode ser apenas uma moral eticamente infundada. Como tal, é e continuará a ser incontrolável e imprevisível. Ela se constrói; da mesma maneira, pode se desmontar e se reconstruir de outra forma no curso da sociabilidade: à medida que as pessoas se reúnem e se afastam, unem forças e as veem se desintegrar, chegam a um acordo e o desfazem, elas tecem e desmantelam os laços, lealdades e solidariedades que as unem. É tudo o que sabemos. O resto, no entanto – as consequências de tudo isso –, está longe de ser esclarecido.